sábado, 3 de outubro de 2020

CAPÍTULO UM

 

CAPÍTULO UM


 

Dona Francisca, moradora da casa mais antiga da praia do Estaleirinho, contava essa história com tanta frequência e convicção que ninguém jamais ousou duvidar de seu testemunho. Seu prazer em relembrar os misteriosos acontecimentos daquela noite era tão grande, que se permitia acrescentar um e outro detalhe, necessitando a história de uma boa meia hora para ser relatada, isso se não fosse interrompida com questionamentos.

Naquele final de tarde de outubro, estava na varanda de sua casa, de onde podia ver o mar. Fazia uma colagem utilizando garrafas pet com decoração de conchinhas e escamas de peixe, delicadamente dispostas em formato de flor. Artesã de muita habilidade, suas peças eram as mais disputadas pelos turistas no Armazém da Arte, na Barra Sul.

O sol se pôs exatamente às 18h12, horário que marcava o relógio pendurado na parede da sala. A falta de iluminação interrompeu o trabalho e seus olhos se voltaram para admirar a praia. Uma lua enorme começou a emergir no horizonte. Desviou seu olhar da paisagem por um momento, e isso ela repetia várias vezes, dando a ênfase necessária ao diminuto espaço de tempo que levou para apanhar o tubo de cola caído no chão.

Quando voltou sua atenção ao mar, viu um homem pulando as ondas e saindo da água. Ele olhou para os lados e começou a caminhar pela areia em direção à sua casa.

Sentiu um arrepio com a iminente aproximação daquele estranho. Estava sozinha. A filha mais nova estudava à noite. Os outros dois filhos moravam na capital, e o marido, para sua tristeza, já havia falecido. Levantou-se correndo para acender a luz da varanda. Um recurso de segurança, já que sempre se tem a sensação de que coisas más têm menos probabilidade de acontecer em locais iluminados. Com a pressa, derrubou no chão as conchinhas, que se espalharam por toda parte.

Pensou em correr e se trancar na casa, mas não teria efeito prático algum, já que todas as janelas estavam abertas e, se a intenção dessa pessoa fosse roubo ou coisa pior, de nada adiantaria o seu gesto de hostilidade.

O homem já se preparava para atravessar a restinga que separava a varanda da areia. Era alto e magro, tinha cabelos loiros e barba ruiva, vestia uma espécie de guarda-pó branco, que surpreendentemente não estava molhado, apesar de tê-lo visto sair do mar havia poucos minutos. Segurava o que parecia ser uma bengala, que depois percebeu se tratar de uma vareta de madeira.

Chegando mais perto, notou que aparentava ter entre 30 e 35 anos, semblante sério, mas com um olhar penetrante. Parou a cerca de dois metros de distância e iniciou uma conversa.

– Boa noite, Dona Francisca!

– Boa noite – respondeu, por impulso. – Quem é o senhor e de onde me conhece? – perguntou já um pouco mais relaxada; afinal nunca tinha ouvido falar de um ladrão que iniciasse a ação criminosa cumprimentando a vítima e chamando-a pelo nome.

– Muitos se referem a mim como Ambientalista. Quanto a conhecê-la, todo mundo aqui na região conhece a senhora como uma das moradoras mais antigas. O fato é que acabei de chegar e ainda não sei onde vou me instalar. Gostaria de pedir-lhe um favor.

– Se estiver a meu alcance – respondeu a mulher, sentindo um misto de curiosidade e encantamento por aquela figura singular.

– Preciso que guarde esta caixa para mim.

Dona Francisca viu o objeto nas mãos do homem, mas não havia notado que carregava algo além da vareta quando saiu do mar.

– É só isso que o senhor precisa? Que eu guarde essa caixa? – perguntou, desconfiada.

– Só isso mesmo, senhora.

Dona Francisca hesitou. Um completo estranho que sabia seu nome e que surgiu do nada, pedindo para guardar algo. Respirou fundo. Melhor seria não contrariá-lo. Que mal poderia haver em fazer esse favor ao homem? – perguntou-se.

– Posso sim – respondeu, e já esticou a mão para pegar a caixa. Parecia ser feita de aço, porém era leve e não havia um fecho ou outra coisa que desse para perceber como poderia ser aberta.

Assim que entregou o objeto, o Ambientalista agradeceu fazendo uma reverência com a cabeça e virou-se, caminhando em direção ao mar. De repente parou e começou a riscar a areia com a vareta que carregava. Depois seguiu em sentido norte, até próximo das pedras, de onde não pôde ser mais visto.

Intrigada, Dona Francisca foi ver o que o homem havia rabiscado na areia. Ele havia escrito uma única palavra: MISSÃO.

Um vento forte começou a soprar trazendo nuvens que logo ocultaram a visão da lua cheia.

Dona Francisca voltou para casa, trancou portas e janelas e ficou contemplando a estranha caixa sobre a mesa, pensativa.


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